A geopolítica da energia está passando pela maior transformação desde a descoberta do petróleo no século XIX. A transição energética global, impulsionada pela urgência climática e acelerada por conflitos geopolíticos como a guerra na Ucrânia, está redefinindo as relações de poder entre nações e criando uma nova ordem energética mundial.
Em 2025, vivenciamos um momento histórico onde a competição geopolítica não apenas impulsiona a transição para energia limpa, mas também cria novos desafios e oportunidades. Países competem intensamente em legislação e investimento para liderar essa transformação, enquanto a dependência de minerais críticos emerge como o novo “petróleo” do século XXI.
O Brasil, com sua matriz energética de baixo carbono e vastas reservas de minerais estratégicos, encontra-se em posição única para se tornar uma potência energética global. Compreender essa dinâmica é fundamental para entender não apenas o futuro energético mundial, mas também as oportunidades e desafios que se apresentam para o país.
Tópicos deste artigo
O Conceito de Geopolítica da Energia
Definição e Evolução Histórica
A geopolítica da energia refere-se ao uso de recursos energéticos como instrumentos de poder político e econômico nas relações internacionais. Historicamente, o controle sobre fontes de energia, especialmente petróleo e gás natural, determinou alianças, conflitos e a distribuição de poder global.
Durante o século XX, o petróleo consolidou-se como o principal instrumento geopolítico, moldando desde a política externa das grandes potências até a configuração de blocos econômicos. Crises como os choques do petróleo de 1973 e 1979 demonstraram como a energia pode ser usada como arma geopolítica, afetando economias inteiras.

A Nova Era: Transição Energética como Força Geopolítica
A transição energética atual representa uma ruptura paradigmática. Diferentemente da era dos combustíveis fósseis, onde o poder se concentrava em países produtores de petróleo e gás, a nova geopolítica da energia se baseia em:
•Tecnologia e inovação: Países que dominam tecnologias de energia renovável
•Minerais críticos: Nações que controlam lítio, cobalto, terras raras e outros minerais essenciais
•Capacidade de manufatura: Países que produzem equipamentos de energia limpa
•Infraestrutura de rede: Nações que desenvolvem redes inteligentes e sistemas de armazenamento
Conflitos Energéticos Contemporâneos
Guerra na Ucrânia: Catalisador da Transformação
O conflito iniciado em fevereiro de 2022 provocou uma crise energética verdadeiramente global. A invasão russa à Ucrânia não apenas interrompeu cadeias de suprimento energético, mas acelerou dramaticamente a transição energética europeia.
Impactos Imediatos:
•Reconfiguração do mapa energético europeu: A Europa reduziu sua dependência do gás russo de 40% para menos de 8% em dois anos.
•Aceleração da transição verde: Investimentos em energias renováveis aumentaram 300% na Europa.
•Diversificação de fornecedores: Busca por novos parceiros energéticos.
Consequências Geopolíticas:
A guerra demonstrou a vulnerabilidade da dependência energética e forçou uma reavaliação estratégica global. Países europeus que antes resistiam à transição energética por razões econômicas agora a veem como questão de segurança nacional.
Conflitos no Oriente Médio e Segurança Energética
Os conflitos em escalada no Oriente Médio continuam a sublinhar os riscos constantes para o suprimento energético global. A região, que ainda concentra cerca de 30% da produção mundial de petróleo, permanece como ponto crítico da geopolítica energética.
Principais Tensões:
•Estreito de Hormuz: Passagem de 20% do petróleo mundial
•Instabilidade regional: Impactos nos preços globais de energia
•Competição entre potências: EUA, China e Rússia disputam influência

Tensões no Mar do Sul da China
A região concentra importantes rotas de transporte energético e reservas de hidrocarbonetos. As disputas territoriais entre China e países vizinhos têm implicações diretas para a segurança energética regional e global.
A Corrida pelos Minerais Críticos
O Novo “Petróleo” do Século XXI
A transição energética criou uma nova categoria de recursos estratégicos: os minerais críticos. Lítio, cobalto, níquel, terras raras e outros elementos são essenciais para tecnologias de energia limpa, desde baterias de veículos elétricos até turbinas eólicas.
Minerais Mais Estratégicos:
•Lítio: Essencial para baterias de íon-lítio
•Cobalto: Componente crítico em baterias de alta performance
•Níquel: Fundamental para baterias de longa duração
•Terras raras: Necessárias para ímãs permanentes em turbinas eólicas
•Grafite: Componente-chave em ânodos de baterias
Concentração Geográfica e Riscos
A distribuição desses minerais é ainda mais concentrada que a do petróleo, criando novos pontos de vulnerabilidade geopolítica:
•China: Domina 60% do processamento de terras raras
•República Democrática do Congo: Produz 70% do cobalto mundial
•Chile e Argentina: Concentram 60% das reservas de lítio
•Austrália: Maior produtor de lítio refinado
Demanda Crescente
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) projeta que a demanda por minerais críticos para energia limpa crescerá até 3,5 vezes até 2030. Esse crescimento exponencial está criando uma nova “corrida” geopolítica, similar à corrida pelo petróleo do século passado.
O Brasil na Nova Geopolítica Energética
Vantagens Estratégicas Brasileiras
O Brasil possui características únicas que o posicionam favoravelmente na nova ordem energética mundial:
Matriz Energética Limpa
•83% de energia renovável na matriz elétrica
•45% de energia renovável na matriz energética total (média mundial: 12%)
•Liderança em biocombustíveis: Segundo maior produtor mundial de etanol

Reservas de Minerais Críticos
•Lítio: Reservas significativas em Minas Gerais e no Vale do Jequitinhonha
•Níquel: Terceiro maior produtor mundial
•Grafite: Importantes depósitos em Minas Gerais
•Terras raras: Potencial inexplorado na Amazônia
Capacidade de Produção de Energia Renovável
•Potencial eólico: 880 GW de capacidade técnica
•Potencial solar: 28.500 GW de capacidade técnica
•Hidrogênio verde: Potencial para se tornar maior exportador mundial
Desafios e Oportunidades
Oportunidades:
1.Tornar-se fornecedor confiável de energia limpa para mercados globais
2.Desenvolver cadeia de valor de minerais críticos
3.Liderar produção de hidrogênio verde para exportação
4.Atrair investimentos em tecnologias de energia limpa
Desafios:
1.Infraestrutura: Necessidade de modernização da rede elétrica
2.Regulamentação: Marco legal para mineração sustentável
3.Tecnologia: Desenvolvimento de capacidade industrial
4.Sustentabilidade: Equilibrar desenvolvimento e conservação ambiental

Principais Atores Globais na Transição Energética
Estados Unidos: Liderança Tecnológica
Os EUA buscam manter sua hegemonia através da liderança tecnológica em energia limpa:
•Inflation Reduction Act: US$ 370 bilhões em incentivos para energia limpa
•Reshoring: Trazendo produção de tecnologias críticas de volta ao país
•Alianças estratégicas: Parcerias com aliados para reduzir dependência da China
China: Domínio Industrial
A China estabeleceu-se como potência dominante na manufatura de tecnologias de energia limpa:
•Painéis solares: 80% da produção mundial
•Baterias: 75% da capacidade de produção global
•Veículos elétricos: Maior mercado e produtor mundial
•Minerais críticos: Controle de grande parte da cadeia de processamento
União Europeia: Transição Acelerada
A UE transformou a transição energética em prioridade de segurança nacional:
•Green Deal: €1 trilhão em investimentos verdes até 2030
•REPowerEU: Plano para independência energética da Rússia
•Critical Raw Materials Act: Estratégia para minerais críticos
Rússia: Adaptação Forçada
A Rússia, tradicionalmente dependente de exportações de combustíveis fósseis, enfrenta pressões para se adaptar:
•Redirecionamento de exportações: Foco em mercados asiáticos
•Desenvolvimento de hidrogênio: Tentativa de manter relevância energética
•Parcerias com a China: Cooperação em projetos energéticos
Impactos da Transição Energética na Ordem Global
Redistribuição de Poder
A transição energética poderá criar uma redistribuição fundamental do poder global:
Perdedores Potenciais:
•Petro-estados: Países dependentes de exportações de combustíveis fósseis, embora ainda exista previsão de grande importância.
•Economias baseadas em carvão: Regiões dependentes de mineração de carvão
•Rotas tradicionais: Importância reduzida de rotas marítimas para petróleo
Ganhadores Emergentes:
•Países com recursos renováveis: Nações com alto potencial solar e eólico
•Detentores de minerais críticos: Países com reservas estratégicas
•Líderes tecnológicos: Nações que dominam tecnologias de energia limpa
Novas Alianças e Parcerias
A transição energética está forjando novas alianças geopolíticas:
•Alianças de minerais críticos: Parcerias para garantir suprimento
•Corredores de hidrogênio verde: Rotas comerciais emergentes
•Cooperação tecnológica: Compartilhamento de inovações
Segurança Energética na Era da Transição
Novos Conceitos de Segurança
A segurança energética na era da transição vai além da garantia de suprimento:
Dimensões da Nova Segurança Energética:
1.Segurança de suprimento: Garantia de acesso a energia e minerais críticos
2.Segurança cibernética: Proteção de redes inteligentes e infraestrutura digital
3.Segurança climática: Resiliência a eventos climáticos extremos
4.Segurança tecnológica: Independência em tecnologias críticas
Vulnerabilidades Emergentes
A transição energética cria novas vulnerabilidades:
•Dependência de minerais críticos: Concentração geográfica de recursos
•Complexidade tecnológica: Sistemas mais sofisticados e vulneráveis
•Intermitência: Desafios de armazenamento e estabilidade da rede
•Cibersegurança: Redes inteligentes como alvos de ataques
Tecnologias Disruptivas e Geopolítica
Hidrogênio Verde: O Combustível do Futuro
O hidrogênio verde emerge como tecnologia geopoliticamente transformadora:

Potencial Geopolítico:
•Novo commodity energético: Mercado global estimado em US$ 2,5 trilhões até 2050
•Independência energética: Países podem produzir seu próprio combustível limpo
•Novas rotas comerciais: Corredores de hidrogênio conectando continentes
Líderes Emergentes:
•Austrália: Investimentos massivos em hidrogênio para exportação
•Chile: Estratégia nacional de hidrogênio verde
•Brasil: Potencial para se tornar maior exportador mundial
Armazenamento de Energia: Chave da Estabilidade
Tecnologias de armazenamento são cruciais para a segurança energética:
•Baterias de grande escala: Estabilização de redes com energia renovável
•Armazenamento por bombeamento: Aproveitamento de recursos hídricos
•Hidrogênio como armazenamento: Solução para sazonalidade renovável
Redes Inteligentes: Infraestrutura do Futuro
Smart grids representam a espinha dorsal da nova economia energética:
•Integração renovável: Gestão de fontes intermitentes
•Eficiência energética: Otimização do consumo
•Resiliência: Capacidade de auto-recuperação
Desafios da Transição Energética Global
Financiamento da Transição
A transição energética requer investimentos massivos:
•Necessidade global: US$ 4 trilhões anuais até 2030
•Lacuna de financiamento: Especialmente em países em desenvolvimento
•Instrumentos financeiros: Bonds verdes, financiamento climático
Questões Sociais e de Justiça
A transição deve ser justa e inclusiva:
Desafios Sociais:
•Transição justa: Proteção de trabalhadores de setores tradicionais
•Acesso à energia: Garantia de energia limpa para todos
•Impactos comunitários: Mineração responsável de minerais críticos
Cooperação Internacional
A transição energética requer cooperação global sem precedentes:
•Transferência de tecnologia: Compartilhamento de inovações
•Padrões globais: Harmonização de regulamentações
•Financiamento climático: Apoio a países em desenvolvimento
Cenários Futuros da Geopolítica Energética
Cenário 1: Cooperação Global
Neste cenário otimista, países cooperam para acelerar a transição:
•Tecnologia compartilhada: Acesso universal a tecnologias limpas
•Cadeias de suprimento resilientes: Diversificação de fornecedores
•Governança global: Instituições internacionais eficazes
Cenário 2: Competição Fragmentada
Cenário de competição intensa entre blocos geopolíticos:
•Blocos energéticos: Alianças regionais exclusivas
•Guerra tecnológica: Restrições a transferência de tecnologia
•Nacionalismo de recursos: Controle estatal de minerais críticos
Cenário 3: Transição Lenta
Cenário onde a transição enfrenta resistências significativas:
•Lobby dos combustíveis fósseis: Resistência à mudança
•Instabilidade geopolítica: Conflitos atrasam investimentos
•Custos elevados: Falta de financiamento adequado
Implicações para o Brasil
Estratégias Recomendadas
Para maximizar sua posição na nova geopolítica energética, o Brasil deve:
Curto Prazo (2025-2027):
1.Desenvolver marco regulatório para minerais críticos
2.Investir em infraestrutura de energia renovável
3.Estabelecer parcerias estratégicas com países consumidores
4.Criar centros de excelência em tecnologias de energia limpa
Médio Prazo (2028-2035):
1.Construir cadeia de valor completa de minerais críticos
2.Tornar-se exportador de hidrogênio verde
3.Desenvolver indústria nacional de tecnologias limpas
4.Liderar cooperação sul-sul em energia limpa
Longo Prazo (2035-2050):
1.Consolidar-se como potência energética global
2.Liderar inovação em tecnologias tropicais
3.Ser referência em transição justa e sustentável
Riscos e Mitigação
Principais Riscos:
•Dependência tecnológica: Importação de tecnologias críticas
•Impactos ambientais: Mineração irresponsável
•Instabilidade regulatória: Mudanças de política
•Competição internacional: Outros países com vantagens similares
Estratégias de Mitigação:
•Investimento em P&D: Desenvolvimento de capacidade tecnológica nacional
•Regulamentação robusta: Mineração sustentável e responsável
•Políticas de Estado: Continuidade independente de governos
•Diferenciação: Foco em vantagens competitivas únicas
Conclusão
A geopolítica da energia está passando por uma transformação fundamental que redefinirá as relações de poder global nas próximas décadas. A transição energética não é apenas uma questão ambiental, mas uma revolução geopolítica que criará novos ganhadores e perdedores no cenário internacional.
O Brasil encontra-se em posição privilegiada para emergir como uma das principais potências energéticas do século XXI. Com sua matriz energética limpa, vastas reservas de minerais críticos e potencial renovável incomparável, o país tem a oportunidade de liderar a nova ordem energética global.
No entanto, essa oportunidade requer ação estratégica coordenada. O Brasil deve desenvolver políticas públicas consistentes, investir em tecnologia e inovação, e construir parcerias internacionais que maximizem suas vantagens competitivas. A janela de oportunidade está aberta, mas não permanecerá assim indefinidamente.
A transição energética global é irreversível, e os países que se posicionarem adequadamente hoje serão os líderes de amanhã. O Brasil tem todos os elementos para ser um desses líderes, mas precisa agir com urgência e visão estratégica para transformar seu potencial em realidade.
Para aprofundar seus conhecimentos sobre temas relacionados, recomendamos a leitura de outros artigos do Mapeando Conhecimentos sobre mudanças climáticas no Brasil, nova ordem mundial e desenvolvimento sustentável. Cada tema oferece perspectivas complementares para compreender os desafios geopolíticos contemporâneos.
Referências
AGÊNCIA INTERNACIONAL DE ENERGIA (IEA). World Energy Outlook 2024: Executive Summary. Paris: IEA, 2024. Disponível em: https://www.iea.org/reports/world-energy-outlook-2024/executive-summary. Acesso em: 03 set. 2025.
EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA (EPE). Caderno: Minerais Críticos e Estratégicos para a Transição Energética. Rio de Janeiro: EPE, 2024. Disponível em: http://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/minerais-criticos-e-estrategicos-para-a-transicao-energetica. Acesso em: 03 set. 2025.
FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL. Como a geopolítica servirá tanto para frear como para impulsionar a transição energética. Genebra: WEF, 2024. Disponível em: https://es.weforum.org/stories/2024/11/como-la-geopolitica-servira-tanto-para-frenar-como-para-impulsar-la-transicion-energetica/. Acesso em: 03 set. 2025.
GÓES, Guilherme Sandoval. A geopolítica da energia do século XXI. Brasília: FUNAG, 2021.
MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA (MME). Guia para o Investidor Estrangeiro em Minerais Críticos para a Transição Energética. Brasília: MME, 2024. Disponível em: https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/secretarias/geologia-mineracao-e-transformacao-mineral/guia-para-o-investidor-estrangeiro-em-minerais-estrategicos. Acesso em: 03 set. 2025.
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE (PNUMA). O que são minerais de transição energética e como eles podem impulsionar o desenvolvimento sustentável. Nairóbi: PNUMA, 2024. Disponível em: https://www.unep.org/pt-br/noticias-e-reportagens/reportagem/o-que-sao-minerais-de-transicao-energetica-e-como-eles-podem. Acesso em: 03 set. 2025.
SCHUTTE, Giorgio Romano; BIANCHET, Lucas Barbosa. Geopolítica energética da China na Ásia Central. Brasília: IPEA, 2025.
TRANSNATIONAL INSTITUTE. Energia, Poder e Transição. Amsterdã: TNI, 2024. Disponível em: https://www.tni.org/es/publicaci%C3%B3n/energia-poder-y-transicion. Acesso em: 03 set. 2025.